sexta-feira, 2 de julho de 2010

Dica de Leitura


A alma chilena em "Inés da minha alma"


Foram necessários quatro anos de mergulho em livros de história, artigos e obras de ficção para que Isabel Allende escrevesse o seu mais novo romance épico: Inés da minha alma. Marcada pelo idealismo das personagens, a obra é ambientada no Chile do século XVI durante o período da colonização espanhola. Embora a fidelidade histórica não seja nenhuma pretensão da autora, a bibliografia utilizada para a composição do romance nos permite um desvelamento prazeroso da formação cultural de um povo encravado entre a aridez do Atacama, a altitude andina, o azul do Pacífico e os bosques austrais. “Esta é uma obra de intuição, mas qualquer semelhança com fatos e personagens da conquista do Chile não é casual”, anuncia o prólogo do livro.

Inés Suarez (1507-1580), protagonista e narradora-personagem nascida em Plasencia, no norte de Extremadura (Espanha), é uma quituteira e cosedora que se lança ao Novo Mundo em busca de seu marido, Juan de Málaga, um dos tantos aventureiros europeus impulsionados a cruzar o Atlântico pelas notícias promissoras de enriquecimento em terras americanas. Ao chegar a Cuzco, então sede do Vice-reino do Peru, Inés é informada da morte de seu companheiro, iniciando pouco depois um envolvimento afetivo com Pedro de Valdivia, um dos homens mais ricos e poderosos das possessões hispânicas na América, mestre-de-campo do governador Francisco Pizarro.

Embalada pela “paixão cega, desatada” compartilhada com o mestre-de-campo, a viúva espanhola decide seguir Valdivia no projeto de dominação do Chile, o “lugar onde a terra acaba”, no qual almejavam fundar “uma sociedade justa baseada no trabalho duro e no cultivo da terra, sem a riqueza mal havida nas minas e com a escravidão”. Percebe-se nesse momento um dos ápices de idealização que o romance apresenta: obviamente, o caráter humanitário de justiça não era uma dádiva dessas expedições; os atrativos eram a fama militar com vistas a obter benesses da Coroa e a possibilidade de enriquecer com a descoberta de reservas auríferas.

Após meses de travessia no deserto do Copiapó, o séquito de Pedro de Valdivia funda, às margens do rio Mapocho, a cidade de Santiago da Nova Extremadura (atual capital do Chile), em cuja descrição nota-se um tom um tanto quanto edênico: “céu azul intenso, um ar luminoso, uma mata exuberante e terra fértil, banhada por arroios e por um rio caudaloso [...]; esse era o lugar designado por Deus para estabelecer nossa primeira povoação”. A partir desse feito, os esforços dos colonizadores espanhóis voltam-se para a luta sanguinária contra as tribos indígenas da região, em especial contra os Mapuches (em língua mapudungum, gente da terra), que resistem homericamente aos ultrajes dos invasores ibéricos. E é assim, regada a paixão e sangue, que a trama vai sendo construída, alçando a figura de Inés Suarez à estirpe de matriarca da nação chilena.

Mais que uma ode à costureira de Plasencia desbravadora da América, Inés da minha alma é uma obra tocante por reconhecer, de forma tão rica estilisticamente, a alma chilena fecundada por vícios e virtudes de povos distintos, livrando-nos de pieguices maniqueístas.

Por Leonardo Costa

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