quinta-feira, 22 de abril de 2010

“Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha”

A excentricidade dos mais ousados, muitas vezes, denuncia os desejos inconfessáveis de uma massa anônima. À maneira do que ocorre na catarse aristotélica, a atuação do protagonista é o estuário no qual o público pode descarregar seus vícios. É a partir dessa constatação que adquire sentido a figura de “A Louca do Rio Anil”, o mais novo fenômeno de popularidade instantânea destas terras tupinambás, onde coexistem harmonicamente, sem causar estranheza aos olhos de quem por aqui habita, edifícios suntuosos e palafitas insalubres que brotam da lama.

É natural convir que as tardes de sexta-feira são momentos mais propícios à fruição de belezas edificantes, como aquelas de Itapuã descritas por Vinicius de Moraes em sua canção. Mas para uma legião de ludovicenses, fabricada na esteira das propagandas publicitárias destes tristes trópicos, melhor que as paradisíacas paisagens é o engalfinhamento dentro de um recém-inaugurado shopping center em busca de produtos que não preencherão o vazio de suas vidas e de celebridades insípidas a atestarem sua inutilidade. Falta ainda um componente essencial, sem o qual show de horrores não estaria completo: a imprensa irresponsável, sensacionalista e descompromissada com o interesse público a catar naquela efusiva multidão um rosto inocente, ratificando-lhe o epíteto psicótico, para servir de instrumento em empreitadas escusas.

E não nos enganemos: estamos todos acometidos da mesma insanidade que motivou a simpática menina de 19 anos a vibrar, diante da câmera de um repórter fotográfico, na festa de inauguração de um shopping local. Seja a grã-fina do Calhau em suas poses botulínicas nas colunas sociais, seja a classe média com complexo de elite a tostar seu achatado salário nos crediários facilitados ou mesmo a gente humilde das periferias que desafia todas as leis da sobrevivência; cada morador da Ilha tem uma “Louca do Rio Anil” em suas entranhas. Num surto esquizofrênico, vivenciamos em paragens provincianas os traumas (pós) modernos: é o coquetel da mentalidade do subdesenvolvido e do ethos consumista das grandes metrópoles.

O desbunde que hoje se reverencia, com direito a recorde de acessos nas redes virtuais de relacionamento, não é senão um artifício daquilo que alguns filósofos da contemporaneidade denominam de sociedade de controle. Escamoteados numa falsa loucura, numa aparência de liberdade, estão os interesses de megaempresários e da grande mídia. Não é à toa que “A Louca do Rio Anil” começa a ser cogitada para trabalhar como garota-propaganda do novo centro comercial.

Uma máxima empregada por Chico Buarque em um artigo publicado no jornal "Última Hora", datado de dezembro de 1968, quando respondia à acusação de ser antiquado para o contexto musical da época, resume oportunamente esse episódio tragicômico. Dizia o jovem Chico: “Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha”.
Por Leonardo Costa

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